Apresentação

Para quem curte poemas, contos, lendas e histórias, aprecia uma boa música e é apaixonado por arte, aqui é um ótimo lugar para encontrar tudo isso de uma única vez. Seja bem-vindo!

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Duelo das Flores

Brincar de fazer versos
Não é o mesmo que poetizar,
Porque os sentimentos em mim imersos
Pedem mais que apenas rimar.


Eu posso ser boa com dizeres,
Mas diante da emoção eu me calo.
E sei que não há onde caberes
Tu, dentre outros, como um talo

De simples flores que me sustentam
E vão colorindo meu parecer,
Cheias de graça, querem e tentam
Mostrar ao mundo o que é viver.

Porque tu és tão rica flor,
Tão sábia, tão graciosa.
És o jardim já florescido,
Enquanto eu, o broto da rosa.

Como então poderia falar
Sobre quem, que por acaso encontrei,
Se é esse alguém que, ao notar,
Me deu o mar que eu mesma criei?

Deixando de ser a pequena pétala,
Que de tão pequena não se movia,
Por Deus, Odin, Zeus ou Allah,
Vi que tu és meu Anjo-Guia.

E de que valem as flores que brotam no chão
E não sentem a leveza de um oceano raso,
Se onde brotam não cabe um irmão
Que lhe mostre o futuro além do ocaso?

E se me permitires e entenderes o canto
Peço que tome isso como um agradecimento,
Pois quando o mesmo mar me afogava em pranto
Foi tu transformar-se em vento.

Capaz de abrandar todos sonhos maus
E fazer da tristeza algo tão belo;
Soprar com fulgor, navegar entre naus
E sussurrar em meu ouvido o querer de um duelo.

Não aquele em que um se afama
E o outro morto se acaba.
Mas aquele onde uma chama
Acende a outra que se apaga.

Querida flor, de nome Ana,
Tu és alguém que conheci
Talvez mais do que conheço eu mesma
E talvez mais do que tu conhece de ti.

Querida flor, de nome Ana,
Amiga dos bons e maus momentos,
Precisaria de uma resma
Só pra lhe dar meus cumprimentos.

Samanta Geraldini

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Fernando Pessoa - Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
 
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
 
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Uma Inspiração, Várias Emoções

     Dizem que quem lê não escreve. É compartilhando dessa ideia que decidi colocar poemas que me encantam e me colocam cada vez mais pra dentro do mundo da literatura. Sem querer créditos agora, o deixarei todo para os gênios que um dia quero alcançar. Quem sabe você, assim como eu, não encontra uma inspiração ao lê-los? Vamos lá!

Astros Deixam Rastros (Crônica)

      Nem todos acreditam em astrologia. Eu acredito!
   Seguindo a linha de raciocínio adotada por essa pseudociência, cada signo tem suas próprias características e essas influenciam nas atitudes e comportamentos das pessoas. Existem assim os centrados, os duvidosos, os mandões, os certinhos, os rabugentos, os deprimidos, os descompromissados... Para mim, o correto seria "objetiva".
      Capricornianos são pessoas quietas, determinadas e persistentes - isso, sem dúvida, eu sou -, mas a situação não se resolve aí. Tenho fama de ser muito calma e compreensiva, o que causa total estranhamento. Sou do tipo de signo que deveria ser egoísta e frio, pensando muito em si mesmo e passando por cima dos outros para conseguir o que quer se for preciso. Mas comigo acontece o oposto.
      Se nessa hora você tem a certeza de que signos do zodíaco são papo furado, vou explicar o porquê de não concordar.
      É preciso analisar muito mais do que isso. O mapa astral, signos solar e lunar, ascendente. É tão complexo quanto qualquer outra ciência ou outra área. E antes que você me pergunte se sou formada nisso, eu já digo que não, muito pelo contrário, pouco sei a respeito. Apenas simpatizo. Mas, enfim, como dizia, existem diversos fatores a serem observados e, por isso, resolvi me inteirar no assunto.
      Alguns dias atrás, sem ter nada para fazer, abri uma página da internet e comecei a pesquisar: descobri que sofro muitas influências de Câncer - por favor, o signo, não a doença -, com todo aquele instinto maternal aflorado, um amor incondicional, extremamente preocupada com tudo e todos.
      Digamos que eu me inclua nessa. Já adotei gatos, livros, árvores... a família é enorme. Sem falar nos bebês! Aquelas carinhas espantadas, com os olhos querendo saltar da cara e me devorar, atraídas por um não sei o quê que age feito um ímã. Eles me amam, me seguem, chegam até a me irritar mas o pior de tudo é, eles me assustam! Apesar do medo, admito, são lindos e geralmente amáveis.
      Pois bem, se você ainda duvida da coerência da astrologia, espere mais um pouquinho, tenho a prova final.
      Continuei na pesquisa, vidrada, crente de que tudo corria bem, mas então veio a decepção. Não tinha mais como escapar, era a minha situação atual escrita por alguém que nunca vi e que nunca me viu. Exatamente igual!
      "O tempo é seu melhor amigo, seus melhores objetivos são aqueles de longo prazo, portanto, nem sonhe em batalhas por coisas que exijam resultados imediatos."
      Parece brincadeira, mas um dia antes eu havia reparado nisso, que estava implorando a mim mesma paciência para realizar meus objetivos.
      Vou mudando meu pensamento. Só pode ser bruxaria, ou um karma que carregamos e não podemos fugir. Então, se você acredita em astrologia, só tenho um conselho para te dar: fuja da verdade, ela vai doer!
 

Utopia - Uma dissertação para abrir os olhos

      Nem sempre o que está sendo refletido em nossos olhos é a realidade. Quase nada do que vemos se mostra em sua verdadeira forma. As aparências são nosso refúgio e nosso castigo. Tudo o que somos torna-se inútil. E a ilusão que criamos nunca será suplantada.
      Vivemos em uma era em que o exterior vale muito mais que o interior. Pessoas "podres" por dentro encantam multidões com um rostinho bonito, enquanto aquelas de bom coração são ignoradas, simplesmente por parecerem simples demais e não condizerem com os padrões criados e que, infelizmente, muitos sustentam.
     Vemos as rivalidades que nasceram séculos atrás e que ainda perduram presas às memórias da civilização herdeira. Colados à elas, está o preconceito imundo contra ideologias diferentes, imaculadas muitas vezes por imagens errôneas, criadas por um alguém qualquer.
      Mas, o mais importante: dentro dessa carcaça que às vezes é admirada, às vezes linchada e às vezes simplesmente ignorada, existem sentimentos, fraquezas, pensamentos, muitos acertos e muitas falhas. Só que poucos conseguem enxergar, mesmo sendo humanos, assim como todos os outros. E o que veem sabe se moldar tão bem. Se camuflando e ocultando tudo o que há por trás. 
       Inconscientemente aderimos essa defesa. Ver o mundo de uma forma subjetiva, um pouco já feita e muito controlada, nos dá segurança, nos faz acreditar somente naquilo que queremos. É o resguardo que encontramos para os problemas grandes, aliás, grandes o bastante para que não possamos enfrentá-los. Entretanto, é assim que nos tornamos fracos.
      Tudo se esconde por trás de imagens. Nossos valores, nossos conceitos, nossos objetivos e, por fim, nossas vidas. Mesmo que de olhos abertos estamos cegos, e quando conseguimos avistar algo, são apenas resquícios, muito distantes de nossa realidade e muito próximos de nossa utopia.

Quando me Apontaram uma Arma (Conto)

      Ouvi primeiro o ruído de cascos pisando a grama, mas continuei deitado de bruços na esteira que havia estendido ao lado da barraca. Senti nitidamente o cheiro acre, muito próximo. Virei-me devagar, abri os olhos. O cavalo erguia-se interminável à minha frente. Em cima dele havia uma espingarda apontada para mim e atrás da espingarda um velhinho de chapéu de palha, que disse logo o seguinte:*
      - Arreda o pé daqui, forasteiro!
      - Mas... só estou descansando, meu senhor - falei gaguejando, muito assustado.
      O velhinho desceu do cavalo. Percebi então que era corcunda, mas tinha um ar valente e músculos rígidos.
      - Essas terras são propriedades minhas e nunca irei de deixar que elas sejam invadidas - meneou a espingarda, ameaçando atirar. - Levante-se já daí eu ou mando bala nessa tua cabeça chata.
      - Meu caro! Um senhor como você não deveria ficar se colocando em perigos desse modo. Não acha que já passou da idade de sair para caçar?
      Pensei em soltar uma gargalhada, no entanto, antes mesmo de dizer tal insulto pude ouvir um som estrondoso, como um tiro. Estremeci, fiquei estático, esperando a dor e o sangue, procurando o buraco na pele. Foi só então que percebi: não havia sido atingido. Não importava, aquela minha emboscada já estava saindo do rumo, o perigo era evidente. Levantei rapidamente, apertei o passo na direção oposta ao velho, mas acabei esbarrando em algo, ou em alguém. Senti um ar morno soprar em meu pescoço, ouvi a respiração pesada, quase ofegante. Alguém que estava parado atrás de mim.
      - Acalme-se, Juarez, sou eu.
      - Oh, meu caro, que susto me destes. Por um instante pensei que fosse morrer! 
      - E vão é morrer mesmo, cabras safados! - O velho continuava com o cano da espingarda mirado na direção dos meus olhos.
      Nesse instante gelei. Meu amigo e eu não teríamos outra chance, havíamos sido tolos e subestimado nossa vítima. Fechei os olhos pedindo a Deus perdão por todos os meus roubos e furtos. De repente, ouvi um outro estrondo. Outro tiro! 
      Abri os olhos pra ver pela última vez aquele matagal. Não era exatamente o que eu queria ter gravado em meus olhos quando morresse, mas não era de todo o mal. O que, porém, vi foi meu outro parceiro de bando chegando por trás do velho, imobilizando-o e levantando sua espingarda ao alto. Um tiro no vento! - pensei.
      - Seus charlatões desgraçados! Vocês vão me pagar, vão pagar caro. Chamarei meus capangas e mandarei eles darem uma surra das boas em vocês três. 
      - Poupe seus esforços, já estaremos longe demais para sermos pegos - meti um ponta pé nos joelhos do homem e roubei sua arma.
      Com ele caído no chão, indefeso e desarmado, pensamos e agimos rápido. Pegamos o cavalo e todos os demais pertences do senhor de terras e, num piscar de olhos, abandonamos o acampamento que havíamos montado. Me sentia mais que aliviado, fugi da morte e ainda saí com a "recompensa". 

Samanta Geraldini e Josyara Torres
  
*O primeiro parágrafo foi retirado do texto "Crítica da Razão Pura", de Wander Piroli. Caso tenha interesse em ler a história original, pode encontrá-la nesse endereço: http://www.releituras.com/wpiroli_menu.asp 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Obra do Criador (Crônica)

      Era um dia como todos os outros. O garoto quase homem ainda alegrava sua mente com desejos de criança. ele estava deitado no chão de seu quintal, as pernas magrelas esticadas, os pés suspensos no desnível dos únicos dois degraus que formavam uma escada, mas ainda assim apontados para o céu. O sol brilhava forte, a pino no azul límpido do viveiro aberto de um grupo de águias. E o menino, na tentativa de proteger seus os olhos do calor, colocava uma blusa sobre o rosto e aproveitava um pedaço do pano para ajeitar debaixo das costas e se sentir em terreno mais macio. 
      Estava quase na hora de seus pais saírem para trabalhar, mas, ao invés de aproveitar ao máximo a companhia deles, o garoto queria ficar sozinho, em silêncio. Pensava em seu sonho naquela noite. Havia sido um sonho bom, tão real...
      De repente, um avião cruzou o céu. Dava pra ver as quatro turbinas riscando o azul celeste com um branco tão puro quanto o das nuvens. Correndo os olhos por aquele risco, que ia se desintegrando com o tempo, ele se deparou com a lua. Estava tão fraquinha, escondida atrás dos fios de eletricidade de um poste e das árvores no outro lado da rua. Mas ainda assim brilhava graciosa, oposta ao sol e de uma frieza reconfortante.
      Sem querer ele ficou a admirá-la, e pensava:
      - Como a lua pode brilhar durante o dia? Oh, Deus, seus olhos me vigiam com tamanha magnitude! O sol, apontando pra mim com tanta energia, rodeado de nuvens que parecem fiapos de algodão; a lua, discretamente espiando meus pensamentos, e tão oculta quanto eles. O que eu sou dentre todas essas Suas obras? - Seus olhos toparam com uma grande nuvem, ela ia fazendo desenhos compreensíveis.
      Um anjo ajoelhado e de asas abertas.
      - Esse cenário é perfeito pra minha próxima história...
      Um peão num jogo de xadrez.
      - Não há inspiração maior que a vida...
      Um borrão! O garoto sentiu alguém tocando em sua mão. Era uma pele macia e fresca, que ele logo reconheceu. Sua mãe falou:
      - Filho, vamos entrar?
      Ele pôde ouvir os passos firmes dela se distanciando, à caminho da porta. Antes de obedecer, ousou olhar o céu uma última vez, espreguiçou seu corpo fino e comprido, depois balançou as pernas e sentou. Foi quando reparou que uma gotinha de lágrima escapava de um de seus olhos. 
      Esfregou a blusa no rosto, embaraçou os cabelos, para depois arrumá-los. Respirou fundo e um ar gostoso encheu seus pulmões de vida.
      - Venha, filho, estou atrasada! - A voz harmoniosa gritou ao longe.
     - Estou indo, estou indo! - Levantou e foi até a porta, encostada. - Essa porta está aberta? Preciso pegar uma coisa...
       Sem mal olhar nos olhos da mãe, ele correu até sua estante e pegou um caderno que deixava lá para quando a inspiração viesse. Pegou também uma caneta que estava ao lado. 
      - Vou ficar aqui fora, acabei de escrever um texto inteiro na minha cabeça. Bom trabalho! - Depois de dar um beijo no rosto da mulher, o rapaz se ajeitou no chão onde estava deitado minutos antes. Olhou para o céu, continuava lindo, perfeito. Das árvores ecoavam os piados cativos de pássaros livres e contentes.
      O garoto abriu o caderno, folheou até encontrar uma página em branco. Sorveu mais um pouquinho de vida no ar e mirou a caneta para a primeira linha.
      Pôs-se a escrever o que acabara de viver.