Apresentação

Para quem curte poemas, contos, lendas e histórias, aprecia uma boa música e é apaixonado por arte, aqui é um ótimo lugar para encontrar tudo isso de uma única vez. Seja bem-vindo!

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Deserto

Uma folha repousa
Sobre o solo molhado
E a água escorre

A andorinha pousa
Na ponta do telhado
E com seus olhos percorre

O asfalto rachado
E um caminho trilhado
Pela água a escorrer

A folha caída
De alguma árvore perdida
Que deve estar a morrer
Samanta Geraldini

Shadows in the Sun

When the day was falling
And the sunlight faded
I watched the night borning
And the sky being shaded

With the colour of a sad story
And the shadow of lost glory
But my eyes could see, smooth and slow,
A painter creating a paradise of snow

The vibrant colours of the moon
Outlined a garden that flourished soon
And in the shadows, there were no stars,
The was loneliness for my scars

Over the hills and far away
Beyond the horizons that a bird flies
I saw a single sign of blue stray
And I nevermore stopped looking at his eyes.

Samanta Geraldini

Perguntas e "Perguntas"

Quanto conheces de ti?
Está mais perto de nada
Ou mais perto de tudo?
Prefere pensar mudo
Ou dar uma resposta enganada?
Quanto conheces de ti?!
Samanta Geraldini

Calejados

Seus calos já nem doem tanto
E ela sente vergonha da ferida que eles deixaram
Para tocá-los ela sopra em canto
Permitindo que o vento enxergue o que os outros não enxergaram

Ela é a mais viva dentre eles
Com calos invisíveis e um sorriso contente
Enquanto seus amigos, com os calos deles
Lamentam a dor no corpo e também na mente

Alguns têm calos nas mãos
De tanto trabalhar
Ou de tanto escrever

Outros têm calos nos pés
De tanto caminhar
Ou por precisar correr

Mas nenhum deles sofre disso
Causa e sintoma são o cansaço
E a distância entre a dor e a cura
É demarcada por apenas um traço

Só que ela tem o compromisso
De recuperar a vontade e a emoção
Pois nesses dias que o calo aperta com bravura
Ela sente anestesiar seu coração

Samanta Geraldini

Microfonia

O som distorcido domina o palco
Uma voz poderosa de tons singulares
Centenas de mãos erguidas pro alto
Bocas que gritam, palavras nos ares

A música fala de um relógio que conta
Histórias de um amor irônico e louco
E o povo sem errar a letra canta
Expulsando suas vozes e ficando rouco

O chão treme quando todos pulam
Todas as vozes em uníssono a bradar
Os mais na frente ainda se orgulham
De ter diante dos olhos umas deusa a bailar

***

Tudo acabou, exceto a memória
No silêncio ainda ouço gritar

Uma voz tão doce e tão fria
Cortando o vento, resvalando no ar

E ela caminha belamente e solitária
Em sua tempestade cruel e sagaz

Sua voz, de pura maestria
Microfonia, em meus ouvidos, ainda faz
Samanta Geraldini

Em memória ao dia 13/09/2014

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O Banco (Conto-Crônica)

      O banco mora na pracinha daqui da frente. Meio isolado de tudo, ele é como um ponto de ônibus onde não passa ônibus: vazio. Tenho a impressão de que ele se incomoda um pouco com a situação da sua "casa" - assim chamaremos. Uma escadaria cheia de entulho, árvores que dão frutos de vez em nunca, o ar poluído - não da cidade grande, mas da vila de classe média. Não que seja um lugar feio, talvez um pouco mal cuidado. Mas, tudo bem, admito que a vista, por vezes, é até que agradável.
      E esse velho morador da vila já tem vários e vários anos de (não) vida. Já foi realmente ponto de ônibus, já foi parada de banca de jornal, já foi, inclusive, um dos lugares que meu cachorro gostava de visitar quando ia "dar uma voltinha" na rua. Hoje, ele é apenas um banco.
      Feito de concreto mesmo, é bonitinho. Simples, com uma leve curva em sua superfície. É bom para descansar. Aliás, acho que é exatamente assim que as demais pessoas pensam. Meus vizinhos, sabe?! Aqueles que eu não sei o nome e tampouco a cara. Mas devem ser eles os vizinhos. Sim, porque ora ou outra, quando eu olho pro banco, eu vejo algum deles lá. Duas mulheres de meia idade conversando, contando as fofoquinhas da família, dos antigos conhecidos de longa data, quando começaram a ser amigas. Um homem macambúzio que chega todo cansado para apoiar as tantas sacolas num pedacinho do banco e dar um descanso aos braços, e também às pernas, que carregam ele há tempos do mercado até ali. Um casal de namorados que aproveitam a hora de folga para sentir o toque de uma mão carinhosa e poder desabafar um pouquinho e ainda serem amados. 
      E tem também, não menos importantes para o banco, os desconhecidos. A família que vem de não sei aonde para fazer exames no postinho de saúde daqui de perto e não pensam duas vezes em dar uma paradinha para esticar o corpo. Ou os meninos e meninas que surgem gritando, depois do período escolar, sempre com aquelas brincadeiras saudáveis - até certo ponto.
      Já chegou a acontecer de um pobre coitado parar pra dormir no banco. Um bêbado magrelo, presumo morrendo de fome, que fugia de uma surra e procurava um cantinho. Mas praça na frente da minha casa não é lugar pra mendigo viver, logo chega alguém pra expulsar ele de lá.
      Mas fora isso, a vida agitada e prestativa do banco acaba sendo uma vida solitária. Quando não tem ninguém lá, ele fica paradinho, sentindo o vento bater, rachando com o calor do sol, se molhando inteiro nos dias chuvosos e ficando surdo de tanto ouvir o ir e vir dos carros e das pessoas.
      Ele é um velho sozinho, que de vez em quando encontra uma companhia de alguns minuto. E é também um velho sábio, que conhece a vida e as necessidade de todo mundo. E se não fosse pela minha preguiça de ficar aqui do outro lado da rua enquanto olho pra ele, o coitado do velho poderia, até, estar me ajudando a contar melhor a própria história. Mas deixe assim como está, porque lá vem mais duas que notaram a importância do banco, e eu, bem, eu não quero incomodar.
 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Ímã

Depois que começa
Ninguém quer parar
É sempre assim, um vício
Que tentamos ao máximo evitar

A coisa te chama
E seu corpo não repele

A coisa te ordena
E a mente obedece

A coisa te anima
E a alma escapa da pele

Ah, que coisa
Ela nunca te aborrece

Depois que começa
Ninguém quer parar
É sempre assim, um vício
Que tentamos ao máximo evitar
Mas vê se você consegue
Fazer parar o atrito
Do lápis no papel...
Samanta Geraldini

Em Paradoxo

Eu tive todo o tempo do mundo.
Dias, meses, anos...
E deixei tudo para depois.

Deram pra mim uma caixa sem fundo
Cheia de planos
E eu os ignorei, pois

Um não me era o bastante
E dois já pareciam demais.
Assim como seria, não obstante,
Um par ímpar de pais.

Me deram um livro para ler,
Eu queria escrever;
Me deram papel e caneta
E eu os guardei na gaveta.

Me mostraram uma tela impressionista,
Eu fugi, querendo enganar a vista;
Me mostraram a realidade
E eu desmenti a verdade.

Me pediram pra sair de casa,
Eu preferi uma socialização rasa;
Me pediram pra encarar a solidão
E eu chorei, em total depressão.

Fui do contra e resisti,
Fiz tudo o oposto do que deveria.
Mas chegou uma hora que eu desisti
E voltar atrás era o que eu queria.

Mas já era muito tarde
A vida chegava ao fim
E uma voz veio me dizer:

"Agora deixe, não faça alarde,
Pois terminar a história assim
Não vai te ajudar a resolver."

Mas eu sou do contra mesmo
Em paradoxo, um paradoxo!
Peguei a caneta e o papel da gaveta
E vim escrever!
Samanta Geraldini

Versos de Elã

Oh! pobre poeta,
O que te inspira?
Qual é a sua meta?

A vida no campo,
A água do rio,
Montes floridos
E o céu cor de anil?

Ou a cidade
De cor cinzenta,
Fumaça rolando
E gente sedenta

Por dinheiro,
Por trabalho,
Por uma casa
E meia família?

Oh! nobre poeta,
Por que suspira?
Perdeu sua meta?

Já se foi seu amor
De olhinhos brilhantes;
Foi-se também seu humor
E tudo era como antes?

Ou ainda vive
Aí em teu peito
Um amor doentio
Que é dito e feito

Por dor,
Por saudade,
Por carência
E uma lágrima?

Poeta! Oh, poeta!
Eu sou como tu.

Eu enxergo em meio a arranha-céus
O mais puro e belo luar.
E nas estrelas lá do longe
Eu procuro alguém a me olhar.

Pois não careço de nada concreto,
Só a lembrança me satisfaz
E quando encontro a inspiração certa
O mundo, em minhas palavras, se faz e desfaz.

Samanta Geraldini

domingo, 3 de agosto de 2014

Lanchonete (Sanjuuichi)

Me vê um sanduíche!
- Pastel de piche?
Não, pão com recheio.
- Ah...

Prepara,
Serve.
Comenta:

- Bela caneta, senhor!
Amor de escritor?
Claro! Já viu poeta de tinteiro cheio?

---

Me vê uma mostarda!
- Se o almoço não tarda?
Não, quero condimento.
- Ah...

Prepara,
Serve.
Comenta:

- Belo caderno, senhor!
Amor de escritor?
Claro! Já viu poeta versar no vento?

---

Me vê um café!
- Quer um canapé?
Não, só cafezinho.
- Ah...

Prepara,
Serve.
Comenta:

- Bela pedida, senhor!
Amor de escritor?
Claro! Já viu poeta escrever sozinho?

(Vai embora)

---Betsu no hi (outro dia)---

Me vê qualquer coisa!
- Qualquer coisa, mesmo?
Sim, isso!
- Ah...

Pensa.
Pensa.
Pensa!

Traz um sanduíche
com muita mostarda
E um copo de café.

- Não é por nada não,
mas eu sei que isso
te inspira mais do que mulher!

Samanta Geraldini

(A)Manhã

Eu tenho sono,
Eu tenho frio,
Nem o sol acordou tão cedo.

Eu tenho pressa
E tenho arrepios
Ao lembrar da época em que tive medo

De te olhar pela manhã
E não poder te abraçar.
Saber que você também queria isso,
Mas era surreal demais pra acreditar.

Sonhos,
O quão longe vocês estão da realidade?

Hoje minha realidade diz que estou sonhando.
Mas parada aqui
A te esperar
Sem medo
Minha mente e o meu coração dizem:
Eu estou te amando!
Samanta Geraldini

*Em 02/08/2014 às 07:40, para o meu Kevin

Era Uma Vez...

A fantasia me invadiu,
Parou e sorriu.
Coloriu meu céu,
Serviu-me de véu
E vestiu meu humor
Como cartas de amor.
Então de longe enxerguei
Todos aqueles
Que eu imaginei
Que pudesse ser você:

Meu herói, meu vilão,
Um principe encantado,
Um rei sem coração
Ou meu eterno namorado?

Seria Aladdin?
Seria um plebeu...
Ou até mesmo um demônio!
Mas se fosse Eros
Ou o lindo Romeu
Me concederia esse Amor Platônico?

Se quisesse poderia ser
Um dos quarenta ladrões.
Mas por que não um profeta
Ou um domador de dragões?

Que tal um palhaço?
Talvez poeta?
Ou, quem sabe, um cozinheiro?
Plantaria flores
E colheria pétalas
Se fosse o meu jardineiro.

Se escolhesse ser Deus
Ou meu Anjo da Guarda...
Se quisesse ser ilusionista
Ou um guerreiro de Esparta...

Diria até
Que pode ser um desenho
Ou um bichinho de estimação.
Mas vou optar
Por ser meu modelo
Que vem desfilando com meu coração.

Que simplesmente
Se veste de si:
Sem trajes
Sem estórias
Sem nenhuma falsidade.

E permite que o tempo
Lhe deixe dizer
Que atrás de ilusões
Não irá se esconder.

Pois a fantasia serena
Quando passada à penas
Nessas folhas em branco

Não faz mais sentido,
Meu mais que amigo,
Pois não é amor, é encanto.
Samanta Geraldini

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Duelo das Flores

Brincar de fazer versos
Não é o mesmo que poetizar,
Porque os sentimentos em mim imersos
Pedem mais que apenas rimar.


Eu posso ser boa com dizeres,
Mas diante da emoção eu me calo.
E sei que não há onde caberes
Tu, dentre outros, como um talo

De simples flores que me sustentam
E vão colorindo meu parecer,
Cheias de graça, querem e tentam
Mostrar ao mundo o que é viver.

Porque tu és tão rica flor,
Tão sábia, tão graciosa.
És o jardim já florescido,
Enquanto eu, o broto da rosa.

Como então poderia falar
Sobre quem, que por acaso encontrei,
Se é esse alguém que, ao notar,
Me deu o mar que eu mesma criei?

Deixando de ser a pequena pétala,
Que de tão pequena não se movia,
Por Deus, Odin, Zeus ou Allah,
Vi que tu és meu Anjo-Guia.

E de que valem as flores que brotam no chão
E não sentem a leveza de um oceano raso,
Se onde brotam não cabe um irmão
Que lhe mostre o futuro além do ocaso?

E se me permitires e entenderes o canto
Peço que tome isso como um agradecimento,
Pois quando o mesmo mar me afogava em pranto
Foi tu transformar-se em vento.

Capaz de abrandar todos sonhos maus
E fazer da tristeza algo tão belo;
Soprar com fulgor, navegar entre naus
E sussurrar em meu ouvido o querer de um duelo.

Não aquele em que um se afama
E o outro morto se acaba.
Mas aquele onde uma chama
Acende a outra que se apaga.

Querida flor, de nome Ana,
Tu és alguém que conheci
Talvez mais do que conheço eu mesma
E talvez mais do que tu conhece de ti.

Querida flor, de nome Ana,
Amiga dos bons e maus momentos,
Precisaria de uma resma
Só pra lhe dar meus cumprimentos.

Samanta Geraldini

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Fernando Pessoa - Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
 
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
 
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Uma Inspiração, Várias Emoções

     Dizem que quem lê não escreve. É compartilhando dessa ideia que decidi colocar poemas que me encantam e me colocam cada vez mais pra dentro do mundo da literatura. Sem querer créditos agora, o deixarei todo para os gênios que um dia quero alcançar. Quem sabe você, assim como eu, não encontra uma inspiração ao lê-los? Vamos lá!

Astros Deixam Rastros (Crônica)

      Nem todos acreditam em astrologia. Eu acredito!
   Seguindo a linha de raciocínio adotada por essa pseudociência, cada signo tem suas próprias características e essas influenciam nas atitudes e comportamentos das pessoas. Existem assim os centrados, os duvidosos, os mandões, os certinhos, os rabugentos, os deprimidos, os descompromissados... Para mim, o correto seria "objetiva".
      Capricornianos são pessoas quietas, determinadas e persistentes - isso, sem dúvida, eu sou -, mas a situação não se resolve aí. Tenho fama de ser muito calma e compreensiva, o que causa total estranhamento. Sou do tipo de signo que deveria ser egoísta e frio, pensando muito em si mesmo e passando por cima dos outros para conseguir o que quer se for preciso. Mas comigo acontece o oposto.
      Se nessa hora você tem a certeza de que signos do zodíaco são papo furado, vou explicar o porquê de não concordar.
      É preciso analisar muito mais do que isso. O mapa astral, signos solar e lunar, ascendente. É tão complexo quanto qualquer outra ciência ou outra área. E antes que você me pergunte se sou formada nisso, eu já digo que não, muito pelo contrário, pouco sei a respeito. Apenas simpatizo. Mas, enfim, como dizia, existem diversos fatores a serem observados e, por isso, resolvi me inteirar no assunto.
      Alguns dias atrás, sem ter nada para fazer, abri uma página da internet e comecei a pesquisar: descobri que sofro muitas influências de Câncer - por favor, o signo, não a doença -, com todo aquele instinto maternal aflorado, um amor incondicional, extremamente preocupada com tudo e todos.
      Digamos que eu me inclua nessa. Já adotei gatos, livros, árvores... a família é enorme. Sem falar nos bebês! Aquelas carinhas espantadas, com os olhos querendo saltar da cara e me devorar, atraídas por um não sei o quê que age feito um ímã. Eles me amam, me seguem, chegam até a me irritar mas o pior de tudo é, eles me assustam! Apesar do medo, admito, são lindos e geralmente amáveis.
      Pois bem, se você ainda duvida da coerência da astrologia, espere mais um pouquinho, tenho a prova final.
      Continuei na pesquisa, vidrada, crente de que tudo corria bem, mas então veio a decepção. Não tinha mais como escapar, era a minha situação atual escrita por alguém que nunca vi e que nunca me viu. Exatamente igual!
      "O tempo é seu melhor amigo, seus melhores objetivos são aqueles de longo prazo, portanto, nem sonhe em batalhas por coisas que exijam resultados imediatos."
      Parece brincadeira, mas um dia antes eu havia reparado nisso, que estava implorando a mim mesma paciência para realizar meus objetivos.
      Vou mudando meu pensamento. Só pode ser bruxaria, ou um karma que carregamos e não podemos fugir. Então, se você acredita em astrologia, só tenho um conselho para te dar: fuja da verdade, ela vai doer!
 

Utopia - Uma dissertação para abrir os olhos

      Nem sempre o que está sendo refletido em nossos olhos é a realidade. Quase nada do que vemos se mostra em sua verdadeira forma. As aparências são nosso refúgio e nosso castigo. Tudo o que somos torna-se inútil. E a ilusão que criamos nunca será suplantada.
      Vivemos em uma era em que o exterior vale muito mais que o interior. Pessoas "podres" por dentro encantam multidões com um rostinho bonito, enquanto aquelas de bom coração são ignoradas, simplesmente por parecerem simples demais e não condizerem com os padrões criados e que, infelizmente, muitos sustentam.
     Vemos as rivalidades que nasceram séculos atrás e que ainda perduram presas às memórias da civilização herdeira. Colados à elas, está o preconceito imundo contra ideologias diferentes, imaculadas muitas vezes por imagens errôneas, criadas por um alguém qualquer.
      Mas, o mais importante: dentro dessa carcaça que às vezes é admirada, às vezes linchada e às vezes simplesmente ignorada, existem sentimentos, fraquezas, pensamentos, muitos acertos e muitas falhas. Só que poucos conseguem enxergar, mesmo sendo humanos, assim como todos os outros. E o que veem sabe se moldar tão bem. Se camuflando e ocultando tudo o que há por trás. 
       Inconscientemente aderimos essa defesa. Ver o mundo de uma forma subjetiva, um pouco já feita e muito controlada, nos dá segurança, nos faz acreditar somente naquilo que queremos. É o resguardo que encontramos para os problemas grandes, aliás, grandes o bastante para que não possamos enfrentá-los. Entretanto, é assim que nos tornamos fracos.
      Tudo se esconde por trás de imagens. Nossos valores, nossos conceitos, nossos objetivos e, por fim, nossas vidas. Mesmo que de olhos abertos estamos cegos, e quando conseguimos avistar algo, são apenas resquícios, muito distantes de nossa realidade e muito próximos de nossa utopia.

Quando me Apontaram uma Arma (Conto)

      Ouvi primeiro o ruído de cascos pisando a grama, mas continuei deitado de bruços na esteira que havia estendido ao lado da barraca. Senti nitidamente o cheiro acre, muito próximo. Virei-me devagar, abri os olhos. O cavalo erguia-se interminável à minha frente. Em cima dele havia uma espingarda apontada para mim e atrás da espingarda um velhinho de chapéu de palha, que disse logo o seguinte:*
      - Arreda o pé daqui, forasteiro!
      - Mas... só estou descansando, meu senhor - falei gaguejando, muito assustado.
      O velhinho desceu do cavalo. Percebi então que era corcunda, mas tinha um ar valente e músculos rígidos.
      - Essas terras são propriedades minhas e nunca irei de deixar que elas sejam invadidas - meneou a espingarda, ameaçando atirar. - Levante-se já daí eu ou mando bala nessa tua cabeça chata.
      - Meu caro! Um senhor como você não deveria ficar se colocando em perigos desse modo. Não acha que já passou da idade de sair para caçar?
      Pensei em soltar uma gargalhada, no entanto, antes mesmo de dizer tal insulto pude ouvir um som estrondoso, como um tiro. Estremeci, fiquei estático, esperando a dor e o sangue, procurando o buraco na pele. Foi só então que percebi: não havia sido atingido. Não importava, aquela minha emboscada já estava saindo do rumo, o perigo era evidente. Levantei rapidamente, apertei o passo na direção oposta ao velho, mas acabei esbarrando em algo, ou em alguém. Senti um ar morno soprar em meu pescoço, ouvi a respiração pesada, quase ofegante. Alguém que estava parado atrás de mim.
      - Acalme-se, Juarez, sou eu.
      - Oh, meu caro, que susto me destes. Por um instante pensei que fosse morrer! 
      - E vão é morrer mesmo, cabras safados! - O velho continuava com o cano da espingarda mirado na direção dos meus olhos.
      Nesse instante gelei. Meu amigo e eu não teríamos outra chance, havíamos sido tolos e subestimado nossa vítima. Fechei os olhos pedindo a Deus perdão por todos os meus roubos e furtos. De repente, ouvi um outro estrondo. Outro tiro! 
      Abri os olhos pra ver pela última vez aquele matagal. Não era exatamente o que eu queria ter gravado em meus olhos quando morresse, mas não era de todo o mal. O que, porém, vi foi meu outro parceiro de bando chegando por trás do velho, imobilizando-o e levantando sua espingarda ao alto. Um tiro no vento! - pensei.
      - Seus charlatões desgraçados! Vocês vão me pagar, vão pagar caro. Chamarei meus capangas e mandarei eles darem uma surra das boas em vocês três. 
      - Poupe seus esforços, já estaremos longe demais para sermos pegos - meti um ponta pé nos joelhos do homem e roubei sua arma.
      Com ele caído no chão, indefeso e desarmado, pensamos e agimos rápido. Pegamos o cavalo e todos os demais pertences do senhor de terras e, num piscar de olhos, abandonamos o acampamento que havíamos montado. Me sentia mais que aliviado, fugi da morte e ainda saí com a "recompensa". 

Samanta Geraldini e Josyara Torres
  
*O primeiro parágrafo foi retirado do texto "Crítica da Razão Pura", de Wander Piroli. Caso tenha interesse em ler a história original, pode encontrá-la nesse endereço: http://www.releituras.com/wpiroli_menu.asp 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Obra do Criador (Crônica)

      Era um dia como todos os outros. O garoto quase homem ainda alegrava sua mente com desejos de criança. ele estava deitado no chão de seu quintal, as pernas magrelas esticadas, os pés suspensos no desnível dos únicos dois degraus que formavam uma escada, mas ainda assim apontados para o céu. O sol brilhava forte, a pino no azul límpido do viveiro aberto de um grupo de águias. E o menino, na tentativa de proteger seus os olhos do calor, colocava uma blusa sobre o rosto e aproveitava um pedaço do pano para ajeitar debaixo das costas e se sentir em terreno mais macio. 
      Estava quase na hora de seus pais saírem para trabalhar, mas, ao invés de aproveitar ao máximo a companhia deles, o garoto queria ficar sozinho, em silêncio. Pensava em seu sonho naquela noite. Havia sido um sonho bom, tão real...
      De repente, um avião cruzou o céu. Dava pra ver as quatro turbinas riscando o azul celeste com um branco tão puro quanto o das nuvens. Correndo os olhos por aquele risco, que ia se desintegrando com o tempo, ele se deparou com a lua. Estava tão fraquinha, escondida atrás dos fios de eletricidade de um poste e das árvores no outro lado da rua. Mas ainda assim brilhava graciosa, oposta ao sol e de uma frieza reconfortante.
      Sem querer ele ficou a admirá-la, e pensava:
      - Como a lua pode brilhar durante o dia? Oh, Deus, seus olhos me vigiam com tamanha magnitude! O sol, apontando pra mim com tanta energia, rodeado de nuvens que parecem fiapos de algodão; a lua, discretamente espiando meus pensamentos, e tão oculta quanto eles. O que eu sou dentre todas essas Suas obras? - Seus olhos toparam com uma grande nuvem, ela ia fazendo desenhos compreensíveis.
      Um anjo ajoelhado e de asas abertas.
      - Esse cenário é perfeito pra minha próxima história...
      Um peão num jogo de xadrez.
      - Não há inspiração maior que a vida...
      Um borrão! O garoto sentiu alguém tocando em sua mão. Era uma pele macia e fresca, que ele logo reconheceu. Sua mãe falou:
      - Filho, vamos entrar?
      Ele pôde ouvir os passos firmes dela se distanciando, à caminho da porta. Antes de obedecer, ousou olhar o céu uma última vez, espreguiçou seu corpo fino e comprido, depois balançou as pernas e sentou. Foi quando reparou que uma gotinha de lágrima escapava de um de seus olhos. 
      Esfregou a blusa no rosto, embaraçou os cabelos, para depois arrumá-los. Respirou fundo e um ar gostoso encheu seus pulmões de vida.
      - Venha, filho, estou atrasada! - A voz harmoniosa gritou ao longe.
     - Estou indo, estou indo! - Levantou e foi até a porta, encostada. - Essa porta está aberta? Preciso pegar uma coisa...
       Sem mal olhar nos olhos da mãe, ele correu até sua estante e pegou um caderno que deixava lá para quando a inspiração viesse. Pegou também uma caneta que estava ao lado. 
      - Vou ficar aqui fora, acabei de escrever um texto inteiro na minha cabeça. Bom trabalho! - Depois de dar um beijo no rosto da mulher, o rapaz se ajeitou no chão onde estava deitado minutos antes. Olhou para o céu, continuava lindo, perfeito. Das árvores ecoavam os piados cativos de pássaros livres e contentes.
      O garoto abriu o caderno, folheou até encontrar uma página em branco. Sorveu mais um pouquinho de vida no ar e mirou a caneta para a primeira linha.
      Pôs-se a escrever o que acabara de viver.   

segunda-feira, 30 de junho de 2014

O Banquete dos Sonhos

Pensei primeiro em fazer aqui um lugar dedicado àqueles contos sombrios que vivem passando pela minha mente e que eu nunca escrevo. Mas então, quando finalmente decidi escrevê-los, a única coisa que pude colocar no papel foi um texto bem mais sentimental. Pra ser sincera, a ideia era fazer algo bem mais cômico, mas às vezes minha mão não obedece meu cérebro e vai escrevendo o que tem vontade. Melhor ainda, o cérebro entra na dela e começa a ajudar. O importante é que saiu um texto, e eu gostaria de colocá-lo aqui como primeiro de muitos (assim espero!). Ei-lo aqui:

      Deus vontade de reunir todos os meus pecados, medos, segredos e equívocos, e convidá-los para um banquete onde o homenageado fosse o Tempo. Nada mais justo, já que foi ele quem me apresentou a todos esses homens de nem tantas qualidades, mas também não só provocadores de malefícios.
      Chamei-os então, imaginando como seria a cena que não tardaria a acontecer: um antigo sonho combatendo, mais que literalmente, uma nova vontade; a reunião daqueles que um dia disseram me amar, mas em outro mostraram um amor que não condizia com o meu - e acho-me no direito de dizer que isso não me fez odiá-los ou tratá-los com indiferença. Ah, o que mais tentei imaginar e não consegui muito bem foi aquele bendito segredo, porque ele não passa de uma forte saudade, infelizmente, de algo que não passou, que sequer aconteceu. Mas fiz um esforço, e o que via era uma Dama de Branco, iluminada, sorrindo, clareando todos à minha e à sua volta, exceto um. Em contrapartida, os pecados ficavam lá, encolhidinhos, se esforçando para não serem vistos. Poxa, será que eles eram tão sujos que não tinham coragem nem de mostrar a cara? Eu queria é vê-los brigando, admitindo seus atos e encarando a verdade, mas eu, no fundo, já sabia que isso não aconteceria.
      E como no banquete de Agaton*, tentei imaginar o que discursariam sobre nosso homenageado: o Tempo. Eu até coloquei um relógio na parede, bem à mostra, e fiquei ouvindo seu tic-tac angustiante que marcava o ir, e somente ir, das horas, da vida. Ali, olhando ele, continuei fantasiando o que poderia acontecer logo mais, ao cair da noite, quando a lua, em longínquo horizonte, tocasse o mar para se aquecer.
      Fui pensando: certamente alguém diria que o tempo foi um castigo, depois de todas as piores escolhas; outro diria que o tempo seria um herói esquecido que, depois de passar, levou consigo a coragem e a valentia; teria também aquele que tentaria provar de todos os modos que o tempo era, nada mais nada menos, que um obstáculo numa corrida maluca que quanto mais tarde você cruzar a linha de chegada melhor. E completariam-no dizendo que o importante é colher aqueles objetos valiosos pelo caminho, como num jogo. Os pecados não fugiriam, mas sutilmente diriam que o tempo é uma criança: no começo parece linda, mas depois acaba perdendo o controle e se rebela. Oh, mas eles sempre seriam inocentes... os erros surgem exatamente por causa da inocência. E finalmente viria ela, a senhorita de branco, excelente em seus discursos. Ela falaria tudo, todos os pontos de vista. Me faria chorar, sorrir, enraivecer, sentir sonos, querer aplaudir de pé. Depois disso, sorriria, apontaria para o relógio e diria:
      - Já chegou a hora, querida!
      Com sua luz levaria todos que ofuscava e deixaria ao meu lado somente aquele que ela não conseguiu superar. No fim das contas, ela que tinha me guiado até ele.
      Então eu mirei o olho no relógio. Meu Deus, estava na hora, não era um sonho. Ouvi a campainha tocando, era ele, o sobrevivente da luz. Pedi pra ele entrar, toda sem jeito. Estava nervosa, ansiosa.
      Mas não veio mais ninguém, mesmo depois de muito esperarmos.
      E agora? Ele era o único que, em momento algum, pude decifrar, ler os pensamentos, prever o que diria. Fechei os olhos e esperei ele falar, mas isso não aconteceu.
      Não sei dizer se o tempo parou ou correu mais rápido, ele já não importava mais pra mim. Eu só sabia que o passado não era mais nada pra mim e, aquele, à minha frente, me fazia segura, apagava minha memória, acordava meu coração e era a maior prova de que, na verdade, assim como o mundo dá voltas, o tempo também dá, e só nos importa saber quem irá estar junto nessa eternidade sem fim.
      Abri os olhos de novo, ainda ouvia a dama dizer:
      - Faça sua hora, querida!
      E eu a fiz!

*Banquete de Agaton: A obra do grande filósofo Platão, denominada "O Banquete", serviu como inspiração para o cenário desse texto e, portanto, decidi citá-la aqui. No texto original, acontece um banquete onde vários homens, dentre ele outro bem conhecido, Sócrates, discursam sobre o deus grego Eros, relacionado ao Amor. Aqui, tomei base disso para dissertar sobre o Tempo, talvez perto de um deus para mim.


As Faces da História

Um blog com esse nome não poderia deixar de ser parada certa para contos, não é mesmo?!
Ainda que tardios, eles estão chegando. São várias faces, algumas macabras, outras tristes, aquelas que nos fazem rir, gargalhar ou sorrir discretamente, e até mesmo as que misturam tudo isso de uma vez só. Você poderá chorar com algo bom ou ruim, aliás, sua interpretação fará muita diferença. E, falando nisso, você pode até não entender nada. Mas, ainda assim, quero que desfrute dos novos textos que vou escrevendo, em conjunto ao "Monólogo de ..." e meus humildes poemas.
Nem tão bons, nem tão ruins, são apenas alguns contos que esvaem da alma e tornam-se legíveis ao mundo. Perdoe-me também o trocadilho com o nome do blog, mas talvez seja porque essa foi a primeira intenção ao criá-lo.
Entre os contos, permitirei também a exploração de outros gêneros literários: crônicas, fábulas, dissertações, até mesmo aqueles textos que não são bem definidos e, aqui e acolá, farei breves comentários e notas que ajudem em seu direcionamento. Mas, não se acanhe na hora de interpretar e use não só a minha como também a sua imaginação, pois meu maior orgulho como escritora é o de poder ver os leitores tornando meus textos ótimos, enquanto, na verdade, eles não passam de palavras estrategicamente colocadas em uma ordem.  
Enfim, vá fundo, mergulhe nesse mundo de loucuras e histórias que, eu sei, você pode tornar sensacional!


domingo, 29 de junho de 2014

Capítulo 11 - 29.06.2014

      De volta, apresento-me novamente com um sonoro "Bom Dia!"
      Como havia avisado no capítulo passado, voltaria a andar e não tinha previsão de paradas. O que não esperava é que ficaria tão empolgada com a jornada que rejeitaria o descanso por várias vezes.
      Bom, hoje acho que ele me obrigou a querê-lo! Não me resta aceitar o que me foi destinado e aproveitar o melhor possível.
      Havia começado minha peça teatral, como devem lembrar, monologada por diversas vozes, mas não soube prosseguir de imediato com a estória um pouco história. Felizmente, andando bem acompanhada como estou, muitas ideias me vieram para conduzi-la. É que estando ao lado de um ser tão sábio como esse, fica impossível não aprender. O único problema é a bobeira que vem junto... Mas como não sou eu quem falará daqui por diante, isso não será um obstáculo.
      Então, veremos o que tem por hoje, meus queridos "eus". Mãos à obra!

Branca: - Diga-me, Serena, você concorda que somos nós quem escolhemos e fazemos nossa família? Gostaria infinitamente de pedir para chamá-la de irmã, contar meus segredos, pedir ajuda...

Serena: - O que te aflige tanto? Branca, você sempre poderá confiar em mim, mas antes deixe-me lhe contar uma coisa:
      O conceito de família é tão precário que me entristece. Alguns dizem "família é quem cria!", enquanto outros enrijecem os punhos e afirmam "você nasceu de mim, é em mim que deve confiar...". Há controvérsias! Uma família fora dos padrões é uma família, assim como aquela que está dentro deles também é. Um grupo de amigos pode ser uma família, ao mesmo tempo que não pode. Duas irmãs que mal se falam, mesmo morando debaixo do mesmo teto, não são uma família, ainda que no conceito original sejam exatamente isso. É porque existem "tipos" de família. Algumas você constrói, outras já são suas desde seu nascimento. 
      Mas deixe-me também dizer outra coisa, Branca, antes que você continue a desabafar. Você pode contar seus segredos para quem desejar, para o mundo inteiro; você também pode me chamar de irmã, de amiga, de confidente... Só não se esqueça que estou sendo um objeto para suas ações, assim como outro seria. A questão é saber qual objeto é melhor escolher para seu arsenal.
      Mas julgo-me uma boa ouvinte. Se quiser contar, conte. Se quiser que eu lhe diga algo específico, direi, ainda que um pouco contrariada. Se quiser que dê minha opinião, darei de bom grado. E se preferir meu silêncio, meu voto de confiança para guardar segredo e ser apenas um objeto para seu alívio, me conformarei e aceitarei. A decisão é sua!

Branca: - Me desculpe perguntar-lhe com tamanho desespero. Talvez não saiba, mas sou racional 99% do tempo, devido minha criação, mas isso me faz deduzir que, por um brevíssimo momento, extravaso e coloco meus sentimentos à mostra. Estou calma agora, e contente! Dos muitos que conheci aqui fora, você me parece a mais sensata, como uma mistura equilibrada de todos os perfis. 
      Confio muito em ti e é por isso que vou com calma. Eu quero a sua ajuda, se for possível, para conhecer mais longe. Será que você poderia me levar a algum lugar que ainda não conheço? Sei que são muitos, não será difícil. Enquanto vamos andando, posso começar a lhe contar um pouco da minha história.
      
Jed (narrador)
      Sorridentes e pensativas, as duas amigas começaram a andar. Branca era uma espécie inocente de ser, mas desejosa de aprender com a vida e com os outros. Comedida, ela não sabia para onde a levavam, mas tinha se instruído bem para saber que estava segura.
      E a menina Branca, que valorizava tanto aquele seu segredo, temia contá-lo de imediato. Sempre dificultando tudo para si, ela queria ser vencedora, mas queria fazer isso sozinha. No entanto, adorava aquela companhia tão sábia e acolhedora. Veremos então, como seguiu essa cena de revelações e grandes avanços.

      Veremos, sim, num próximo dia. É incrível como a história se repete, mas cada vez você a entende de um jeito. Aliás, a vida é engraçada, não?! Mas, enfim, me convidaram para partir, outra hora eu volto para continuar. 

sábado, 21 de junho de 2014

Minha Eterna Estação

Na lagoa que ela jaz nua
Um broto torto
Vai florescer amanhã;

O sol no céu de candura
Com sua luz conduz
Mais uma manhã;

E o relógio e seu ponteiro
Tic-tac-teiam e ateiam
Que o tempo revelará

Um sentir tão bem certeiro,
Mais que o frio ou o brio
De que o amor continuará.

Samanta Geraldini

Hai Kai

Entrelaçou com jeitinho
Minha mão na sua
E me deu o seu carinho.

Samanta Geraldini

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Cônjugue(-me)

PARTE 1 
Eu tentei correr
Tu conseguiste me conter
Ele não soube o que fazer

Eu tentei despistar
Tu conseguiste me encontrar
Ele não soube como parar

Eu tentei fugir
Tu conseguiste me perseguir
Ele não soube partir

Eu me doei ao amor
Tu se doou ao amor
Ele nos unificou
E nosso amor se concretizou

PARTE 2
Nós queremos viver
Vós sois nosso sofrer
Que Eles podem prever

Nós queremos ficar
Vós sois nosso lar
Que Eles podem roubar

Nós queremos nos unir
Vós sois nosso ruir
Que Eles podem coibir

Nós faremos amor
Vós chorareis a dor
Eles pregarão o horror
E o mundo se acabará
Quando o sol se pôr.

Samanta Geraldini

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Capítulo 10 - 05.06.2014

      Parando um pouco de escrever para olhar melhor ao redor e apreciar o local onde fiz minha pausa, cheguei a conclusão de que estou em um dos lugares mais belos que posso imaginar. Esteticamente não há tanto o que citar, mas a sensação que esse "paraíso" me transmite é maravilhosa.
      Ainda que saturada de vozes e outros "eus" que vêm andando comigo como se fossem minha bagagem, me sinto leve, e ouso dizer que o sol brilha inteiramente, em quem andava a minha frente gritando seu decoroso "Abram Alas!". Ah, e como ele brilha, ele fez tão bem a sua parte. Agora estamos aqui sentados sobre nossos sonhos e desejos que em muitos momentos imaginei e supliquei para que fossem iguais. Ele andou tanto quanto eu, merece também o descanso que eu providenciei para mim. Até mais, pelo menos na minha concepção de que os atos dos outros sempre são mais magnânimos que os meus, e que estarmos lado a lado é somente um prêmio meu. Uma estranha e gostosa história em que um faz a prova e que o outro recebe o prêmio, mas nenhum se sente prejudicado.
      Eu até poderia valer-me dessa disposição imensa que me controla e transcrever lindas e puras emoções, poética como gosto de ser e de poder ver serem comigo, porém deixarei essa oportunidade para mais adiante, momento em que, presumo, estarei ainda mais enfeitiçada pelo que talvez pensem ser meu próprio feitiço, mas não é. Decidi que essa será a última observação devanêica realizada antes de andar mais um pouco. Será uma grande mistura de temas, mas que acabarão se colidindo e provando que não são tão heterogêneas assim.
      Sonhos, regras, curiosidade, coragem e descobertas. Essa é a linha de raciocínio que seguirei, desde já avisando que não será concluída, nem mesmo chegará à metade. É somente uma breve apresentação que, por sinal, deixarei por conta de alguns personagens loucos para atuar e que finalmente terão sua chance no palco. E pra felicidade deles, digo mais, terão muitas outras oportunidades daqui por diante, pois acho que cheguei num ponto em que sozinha será difícil monologar. Sim, muitas vozes, um monólogo. Faça um esforço para ver sentido nisso, e, se ainda assim não o ver, finja!
      Voltarei lá no comecinho, serei protagonista ainda, mas dividirei meu espaço. A hora do espetáculo chegou!

 Jed (narrador)
       Era [uma vez] uma pedra, que um dia se encheu de água. A água "cresceu", aprendeu a "falar", e toda vez que lembra disso, de quem fez isso, ensinou isso, é consumida por uma desmedida necessidade de agradecer, mas além de tudo aproveitar esse dom que lhe foi dado. No entanto, mesmo depois de grande, essa água não é totalmente livre e preparada para tudo. Cheia de restrições, ela vive num pequeno mundo cheio de regras e limitações; ela é tímida e lotada de manias que acabam lhe dando um certo charme, ou então muitos problemas.
      Não custa dizer, todavia, que de uns tempos pra cá ela percebeu nascer dentro de si uma grande curiosidade, e por mais tímida que seja, ela foi lembrando do que aprendeu e se esforçou a tomar decisões distantes de seu porto seguro.
      Fez tão bem que conseguiu escapar do seu castelo pedregoso e viu o mundo lá fora. Nossa, como aquilo foi importante, foi o último incentivo que ela precisava.
      Agora, sempre que pode, ela passa pela fenda iluminada que existe na rocha que habita. Muito bem equipada, ela só se dá o luxo de alguns passos e poucos minutos, mas é uma grande evolução. Lá fora, ela conversa com uma das suas primeiras amigas, Serena, uma miúda criatura que fala pouco, mas quando fala... ah, ela tem o poder de mudar o mundo. Estão conversando agora:

Branca: - Diga-me, Serena, você concorda que somos nós quem escolhemos e fazemos nossa família? Gostaria infinitamente de pedir para chamá-la de irmã, contar meus segredos, pedir ajuda...

      Levanto-me agora, seguirei andando. Preciso ir em busca de uma boa forma de dar vazão à imaginação. Não sou daquelas que escreve a própria história em um dia.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A Nota Mais Alta

O vento soprou
Pelos seus lábios tão sábios
E o tempo parou.

Samanta Geraldini

Capítulo 9 - 03 e 04.06.2014

      Estou aqui esperando ritualmente dar meia noite para completar meu terceiro dia consecutivo de monólogo. Peguei o gosto de novo, acho que escrever aqui deveria ser um hábito mais do que necessário. Tomei a liberdade de começar antes do ponteiro saltitar para o lado, pegando emprestadas as palavras do capítulo anterior, pois como sei que só termino isso amanhã, está tudo bem.
      Tenho algumas coisas a serem ditas, mas estou meio confusa, não sei por onde começar. Supondo que eu consiga manter esse hábito de escrever por mais quatro dias, creio que registraria tudo aquilo que planejo atualmente. Supondo também que aconteça o mesmo que aconteceu depois de eu ter escrito uma folha - o que eram 2 ideias, depois de 1 ser exposta, passaram a ser 3 -, digo que precisaria de mais um mês e pelo menos um caderno em branco para escrever as ideias que virão. Eles por eles, melhor eu saciar essa minha necessidade.
      Primeiro assunto, por favor comparecer ao setor de debates...
      Andei pensando numa coisa que me disseram há uns cinco meses.
      Perguntaram-me: Já se apaixonou?
      E eu respondi: Por incrível que pareça, nunca!
      Espantado, quem me falava alegou, com toda a sua convicção de poeta apaixonado: Impossível, os textos que escreve são românticos demais para tal afirmação.
      A conversa ficou por isso mesmo.
      Hum... mas sabe quando a gente está lavando a alma debaixo do chuveiro e é totalmente impossível deixar de pensar na vida? Bom, nessas horas eu também costumo cantar, e essa é uma mistura perigosa e muito eficiente.
Eu sou poeta e não aprendi a amar!
      Frase nada romântica e tudo poética, meu Pai do Céu. Eu gostava de usar ela pra me definir. Ai, ai, mas quando a gente fica com o coração mole, tudo parece ter outro sentido. Sentimentos aflorados, uma vontade imensa de gritar ao mundo... vai dizer que não sabia que é por isso que estou escrevendo adoidada?
     Foi por tanto me imaginar assim que conclui um pensamento há anos inacabado. No fim hei de concordar, eu estava apaixonada quando comecei a escrever, há dois anos e alguma coisa. Mas falar de "apaixonado" é que eu não concordo, tá mais pra "enamorado". Paixão e amor são coisas bem diferentes. E falo claramente aqui, eu AMAVA. Letras garrafais pra ficar melhor a compreensão...
     Agora, só uma coisinha: pare pra pensar no que é o amor. Pessoas tentando defini-lo enquanto eu o sinto; pessoas rotulando-o enquanto eu tento simplesmente demonstrá-lo. Ah, por favor, é de conhecimento geral que para os japoneses há três tipos de amor né? No meu ver, há até mais. 
     Amor é um sentimento comum, mas raro. Parece difícil entender essa afirmação, mas é assim que vejo. Amor, aquele próximo da amizade ou da paixão, tem muito por aí. Arrisco a dizer que todo mundo sente. Amor, aquele que ninguém consegue definir com exatidão, ah, esse daí não é todo mundo que já conheceu não. Nem sei se eu já conheci, é bem confuso explicar isso. Mas o importante é, apesar de gênero, cor, idade ou classe social, os nossos múltiplos amores são (i)limitadas fontes de inspiração.
      Aproveitei uma delas por bastante tempo, mas tá vendo aquele "(i)" escondidinho ali? Então, é porque não é bem infinita essa luz que guia nossas artes. Ou melhor, ela, em si, não acaba, mas às vezes fica difícil ter acesso a ela, ou ao conteúdo dela. Só digo que pude aproveitar bem, foi uma das primeiras fontes de amor que pude provar - e olha, lembre-se bem de que existem inúmeras formas de amor. Não que eu me preocupe caso alguém interprete da forma errada, isso quem sabe e julga sou só eu. É que isso serve de aviso para os confusos espalhados por aí.
      E não vai pensando também que qualquer tipo de amor tem o mesmo efeito porque não tem. Se tivesse, não seria tão sem lógica como sou, não seria tão completa como sou. 

terça-feira, 3 de junho de 2014

Capítulo 8 - 03.06.2014

      Ainda tenho algumas dúvidas, mas ao que tudo indica estou me tornando uma especialista em tempo. Não aquele tempo que remetemos ao clima e fenômenos naturais, o tempo de relógio mesmo.
      Depois dos últimos eventos que passaram a me perseguir estranhamente todos os dias, isso tornou-se quase uma certeza. Eu, uma fissurada por horas, levando peça atrás de peça por elas. Eu, que antigamente carregava um relógio no pulso para olhar a hora de cinco em cinco minutos para absolutamente nada, vejo-me hoje como quem, automaticamente, conta os segundos esperando o presente passar.
      Ok, não preciso ser tão dramática assim, eu já fui mais ansiosa. Aprendi nos últimos meses a tratar o tempo como amigo, e fui mais bem recompensada. Nem sou mais tão pilhada assim, apesar de algumas vezes brincar que terei um ataque no coração de tanto esperar algo importante. Bem, talvez até tenha, mas... não era pra fazer drama de novo.
      Mas deixemos o tempo passar. Não é legal parar no tempo, isso é um baita prejuízo; a não ser que esse "parar no tempo" seja em um sentido totalmente diferente. Mas prefiro dizer que ele não para - quem dera, acho até que ele voa rápido, muito rápido. Sabe aquele momento em que num piscar de olhos (que só pra você foi um piscar de olhos) duas horas se passam? É, eu sei bem. E, ao mesmo tempo, o tempo que você quer que passe não vai de jeito nenhum. Quanto dura uma semana? E duas, é exatamente o dobro disso? Sei lá, maior conta sem lógica essa...
      Aí eu paro e penso: será mesmo que eu quero que passe? Ah, ainda que conhecedora do tempo, não conheço todas as manhas, sofro um pouquinho pra conseguir me dar bem. Volta e meia eu estou numa doida vontade de voltar o ponteiro para trás; logo em seguida, por um impulso, tento inutilmente empurrá-lo, como se ele fosse sair do lugar mais rápido do que o possível. Sai nada, o bendito é regrado que é uma coisa.
      Mas é por essas e outras que eu digo, não é tão difícil dominá-lo. Ele é sempre igual, quem muda é a gente. E sendo ele constante, trabalhar com ele é uma tarefa calculista que depende unicamente de nós mesmos.
       Poxa, não é ele que leva as coisas embora, somos nós. Nós! É sim, nós deixamos ele agir. Se não deixarmos, o que acontece? Boa pergunta, eu também não resisto às tentações dele (risos). Brincar com ele é uma das aventuras mais divertidas que existem. Só o tempo que levei para escrever isso aqui, só pra constar, feito uma máquina programada que não para pra pensar e só vai fazendo seus movimentos, já foi uma grande satisfação. Trabalhamos juntos: eu disse a ele "vá caminhando, tentarei preenchê-lo com uma caneta em mãos.". Preenchi, diria até que generosamente. Enquanto ele ia andando, contudo, ele me deixava percorrê-lo, vê-lo como era antes, como pode ser, como quero que seja. Oh, uma constante variável!
      Tem gente que não sabe brincar com ele, acaba é levando uma surra. O pior é quando começa a gostar de apanhar e torna isso rotina. Eu não, nem quero apanhar, nem bater, basta de violência no mundo, o meu mundinho interno é bem pacífico. Também tem quem tema o tempo... aquela história de saber diferenciar medo e respeito, eu não vou enfrentar, mas é porque não vejo necessidade.
      Incrível! Agora que estou terminando minha sessão de loucura, recebo a seguinte mensagem:
"Não se apressa a arte!"
      Vai me dizer que estou correndo muito? Aliás, é arte isso que faço? Não sabia!
      Ok, ok, eu entendi (e vou parar com esses "ok"). Coisas boas precisam nascer com jeitinho, não é isso que dizem, que a pressa é inimiga da perfeição?!
       Só por isso que vou me esforçar a ser paciente. Porque, jogando limpo, ai de mim se conseguir enganar alguém com esse papo de especialista em tempo, eu tô mesmo é louca pra ver ele chegar aonde eu já fui em pensamento um zilhão de vezes. Chega, vai!