Pensei primeiro em fazer aqui um lugar dedicado àqueles contos sombrios que vivem passando pela
minha mente e que eu nunca escrevo. Mas então, quando finalmente decidi
escrevê-los, a única coisa que pude colocar no papel foi um texto bem
mais sentimental. Pra ser sincera, a ideia era fazer algo bem mais cômico, mas às vezes minha mão não obedece meu cérebro e vai escrevendo o que tem vontade. Melhor ainda, o cérebro entra na dela e começa a ajudar. O importante é que saiu um texto, e eu gostaria de colocá-lo aqui como primeiro de muitos (assim espero!). Ei-lo aqui:
Deus vontade de reunir todos os meus pecados, medos, segredos e equívocos, e convidá-los para um banquete onde o homenageado fosse o Tempo. Nada mais justo, já que foi ele quem me apresentou a todos esses homens de nem tantas qualidades, mas também não só provocadores de malefícios.
Chamei-os então, imaginando como seria a cena que não tardaria a acontecer: um antigo sonho combatendo, mais que literalmente, uma nova vontade; a reunião daqueles que um dia disseram me amar, mas em outro mostraram um amor que não condizia com o meu - e acho-me no direito de dizer que isso não me fez odiá-los ou tratá-los com indiferença. Ah, o que mais tentei imaginar e não consegui muito bem foi aquele bendito segredo, porque ele não passa de uma forte saudade, infelizmente, de algo que não passou, que sequer aconteceu. Mas fiz um esforço, e o que via era uma Dama de Branco, iluminada, sorrindo, clareando todos à minha e à sua volta, exceto um. Em contrapartida, os pecados ficavam lá, encolhidinhos, se esforçando para não serem vistos. Poxa, será que eles eram tão sujos que não tinham coragem nem de mostrar a cara? Eu queria é vê-los brigando, admitindo seus atos e encarando a verdade, mas eu, no fundo, já sabia que isso não aconteceria.
E como no banquete de Agaton*, tentei imaginar o que discursariam sobre nosso homenageado: o Tempo. Eu até coloquei um relógio na parede, bem à mostra, e fiquei ouvindo seu tic-tac angustiante que marcava o ir, e somente ir, das horas, da vida. Ali, olhando ele, continuei fantasiando o que poderia acontecer logo mais, ao cair da noite, quando a lua, em longínquo horizonte, tocasse o mar para se aquecer.
Fui pensando: certamente alguém diria que o tempo foi um castigo, depois de todas as piores escolhas; outro diria que o tempo seria um herói esquecido que, depois de passar, levou consigo a coragem e a valentia; teria também aquele que tentaria provar de todos os modos que o tempo era, nada mais nada menos, que um obstáculo numa corrida maluca que quanto mais tarde você cruzar a linha de chegada melhor. E completariam-no dizendo que o importante é colher aqueles objetos valiosos pelo caminho, como num jogo. Os pecados não fugiriam, mas sutilmente diriam que o tempo é uma criança: no começo parece linda, mas depois acaba perdendo o controle e se rebela. Oh, mas eles sempre seriam inocentes... os erros surgem exatamente por causa da inocência. E finalmente viria ela, a senhorita de branco, excelente em seus discursos. Ela falaria tudo, todos os pontos de vista. Me faria chorar, sorrir, enraivecer, sentir sonos, querer aplaudir de pé. Depois disso, sorriria, apontaria para o relógio e diria:
- Já chegou a hora, querida!
Com sua luz levaria todos que ofuscava e deixaria ao meu lado somente aquele que ela não conseguiu superar. No fim das contas, ela que tinha me guiado até ele.
Então eu mirei o olho no relógio. Meu Deus, estava na hora, não era um sonho. Ouvi a campainha tocando, era ele, o sobrevivente da luz. Pedi pra ele entrar, toda sem jeito. Estava nervosa, ansiosa.
Mas não veio mais ninguém, mesmo depois de muito esperarmos.
E agora? Ele era o único que, em momento algum, pude decifrar, ler os pensamentos, prever o que diria. Fechei os olhos e esperei ele falar, mas isso não aconteceu.
Não sei dizer se o tempo parou ou correu mais rápido, ele já não importava mais pra mim. Eu só sabia que o passado não era mais nada pra mim e, aquele, à minha frente, me fazia segura, apagava minha memória, acordava meu coração e era a maior prova de que, na verdade, assim como o mundo dá voltas, o tempo também dá, e só nos importa saber quem irá estar junto nessa eternidade sem fim.
Abri os olhos de novo, ainda ouvia a dama dizer:
- Faça sua hora, querida!
E eu a fiz!
*Banquete de Agaton: A obra do grande filósofo Platão, denominada "O Banquete", serviu como inspiração para o cenário desse texto e, portanto, decidi citá-la aqui. No texto original, acontece um banquete onde vários homens, dentre ele outro bem conhecido, Sócrates, discursam sobre o deus grego Eros, relacionado ao Amor. Aqui, tomei base disso para dissertar sobre o Tempo, talvez perto de um deus para mim.
Muito bom texto, mais uma vez!!!!
ResponderExcluirLindíssima e interessantíssima analogia Sam. Me sinto feliz por te ver evoluir cada dia mais, está uma escritora e poetisa nata. Parabéns!!!
ResponderExcluirMuito obrigada, Ana, pelo elogio e por dizer isso. Saber de você que estou evoluindo é muito gratificante!
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