Uma lembrança está me atingindo aqui dentro e me obriga a fazer a primeira pausa nessa caminhada. Admito que a ideia era seguir uma ordem para expor aquilo que me proponho a confrontar, colocando espaço e tempo em sincronia e narrando a minha história de forma cronológica, mas parece-me que uma linha do tempo está fora de cogitação aqui, na obra mais psicológica da minha vida.
E cá estou, remoendo memórias de meu passado, ligando os fatos e pensando na melhor forma de colocá-las numa folha. Mesmo assim, por mais que eu tente dispor e encaixar as palavras de uma maneira coerente, a única coisa clara para mim é uma frase que não para de me perseguir. Não sei dizer bem se ela é uma indagação, uma bronca ou um conselho, só sei que foi importante para me fazer refletir.
(...) você é boba! Por que você fica criando personagens para transmitir seus pensamentos e tem medo de ser você mesma, fica se escondendo atrás desses personagens?
Nesse momentos estou como fiquei quando ouvi isso: sem palavras!
É exatamente por não encontrar resposta para isso que começarei da maneira mais errônea possível, mas a única que me vale agora. Precisarei chamar meus personagens para que eles deem continuidade ao pensamento, pedindo a Deus que eles saibam conduzir bem as minhas palavras daqui para frente. Apresento, então, o anjo e o demônio que habitam minha mente, mas que posso representá-los como duas figuras pequenas sobre meus ombros a sussurrar suas contradições enquanto eu me faço estática sobre o tapete que ousei atravessar. E junto deles, agora me encontro presa (mentalmente) em um túnel do tempo, para que possa analisar melhor a cena de onde surgiu a frase que há tempos é centro e referência para meus devaneios.
Assim narra o anjo:
- Muda, aparentemente sem expressão. Os olhos vidrados são a única passagem para o mundo a ser descoberto, e logo de cara passam a sensação de medo. Ela fora pega de surpresa, desprotegida. Qualquer palavra que lhe fosse dita a faria desabar. Mas optaram pelo silêncio, e por um sorriso, que os olhos vislumbraram com alívio. Não fazia nada para defendê-la, assim como ela, eu estava calado. Sendo um personagem, ao dizer um "a" que fosse estaria indo contra o propósito de ajudá-la a ser independente de nossas atuações. Então, o demônio teve a oportunidade de exercer o seu papel...
- Sim! Eu dizia aquilo que ela precisava para não desabar e parecer forte o suficiente para ignorar o que lhe haviam dito. Orgulho, superioridade, a capacidade de ser e poder sem deixar-se refém dos sentimentos mesquinhos. Era isso que eu colocava em sua mente...
Eu dizia internamente NÃO! (era como a pedra). Mas sem alguém para nortear o caminho dessa palavra ela acabou se tornando uma negação à pergunta, ela negou a minha necessidade de falar e me expressar.
No fim, quando o anjo continuava calado e o demônio quase devorava o trajeto que suas palavras azedas percorriam, eu deixei escapar o único som que consegui impulsionar além das cordas vocais, enquanto os demais, que deveriam acompanhá-lo, regrediram à origem. Eu disse: NÃO SEI!
Foi então que meus olhos vislumbraram um sorriso e automaticamente troquei de assunto, um mais fácil.
Agora estou aqui, em minha caminhada. O túnel do tempo foi guardado em algum lugar dentro de mim e só há o agora para ver. Continuo a dizer "não sei", essa é a minha resposta ainda. Não sei como ser eu mesma, não sei como me impor à frente das minhas criações, não sei como não confundir o mundo real com o mundo imaginário, não sei, enfim, como responder outra coisa para quem me fez essa pergunta. Mas sei algumas coisas que colocarei aqui, não da melhor forma para se libertar, pois não soltarei minha voz, porém o bastante para conseguir dar mais uns passos e sair da posição que me encontro.
Apesar do orgulho que o demônio me deu, o anjo me ensinou a dizer obrigada. Ele me ensinou isso quando ficou calado e tentou me deixar agir por conta própria, mesmo tendo a certeza de que não seria naquele momento. Eu ainda não estava preparada, e nem estou. Então, quero usar o que aprendi com ele para me mover. Mesmo que seja tarde, minha vontade é dizer obrigada, a você, dona dessa frase que não sai de mim. Obrigada por mais esse conselho, obrigada por tudo!
Cada dia melhorando ainda mais sua "brincadeira" com as palavras. Parabéns, querida Samanta, vc vai longe......
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